Uma das complicações mais graves de um jejum muito prolongado (acima de 72 horas) , embora muito rara, é chamada de síndrome de realimentação. As complicações com a realimentação foram relatadas pela primeira vez em americanos gravemente desnutridos em campos de prisioneiros de guerra na Segunda Guerra Mundial.

Estas complicações também foram notadas no tratamento de pacientes com anorexia nervosa ou mesmo em pessoas alcoólatras.

É importante se informar sobre esta síndrome, caso pretenda realizar um jejum prolongado. A realimentação refere-se ao período de quebra do mesmo. A alimentação adequada na quebra do jejum ajudará a reduzir significativamente a chance de síndrome de realimentação no seu organismo.

A síndrome de realimentação

A síndrome de realimentação foi definida como:

um conjunto de mudanças potencialmente fatais em fluidos e eletrólitos que podem ocorrer em pacientes desnutridos.

O principal marcador clínico para a síndrome de reabilitação é a hipofosfatemia – nível muito baixo de fósforo no sangue. No entanto, a falta de potássio, cálcio e magnésio no organismo também podem levar uma pessoa desenvolver a condição.

Aproximadamente 80% do fósforo em nossos corpos é mantido dentro do esqueleto e o restante nos tecidos moles. Quase todo o fósforo está dentro da célula, não no sangue. O nível de fósforo no sangue é rigorosamente controlado e, se for muito alto ou baixo, pode causar problemas graves.

A ingestão diária média de fósforo é de 1 g/dia, o que significa que muitas vezes são necessários muitos meses de desnutrição para desenvolver esta síndrome. Alimentos ricos em proteínas, bem como grãos e nozes, são boas fontes de fósforo. Vale observar que 60-70% do fósforo é absorvido, principalmente no intestino delgado.

Durante o período de desnutrição prolongada, os níveis sanguíneos de fósforo permanecem normais e o déficit é retirado dos ossos. Isso pode durar muito tempo, como ficou comprovado com a desnutrição severa imposta aos prisioneiros de guerra japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.

Como a ingestão diária de fósforo é de 1 g/dia, seriam necessários centenas de dias sem a ingestão deste nutriente para a produção um déficit corporal significativo. Como quase todos os alimentos contêm algum tipo de fósforo, a síndrome de realimentação quase sempre ocorre em um contexto de desnutrição (baixo peso, anorexia nervosa, alcoolismo).

Pacientes com alto risco de desenvolvimento da síndrome de realimentação

Dentre as pessoas com maior risco de desenvolvimento da síndrome de realimentação estão:

  • pacientes com anorexia nervosa
  • alcoólatras crônicos
  • pessoas em período pós-operatório
  • pacientes oncológicos
  • idosos com comorbidades ou baixas reservas orgânicas
  • usuários frequentes de diuréticos (perda de eletrólitos)
  • pessoas que praticam jejum prolongado ou dietas muito restritas
  • obesos mórbidos, após grandes perdas de peso
  • pacientes com síndrome de má absorção (doença inflamatória intestinal, pancreatite crônica, fibrose cística, síndrome do intestino curto)
  • usuários frequentes de antiácidos
  • pacientes com diabetes não controlado (desquilíbrio eletrolítico, diurese)

Insulina e realimentação

Problemas de realimentação podem ocorrer quando o alimento é processado, principalmente os alimentos que contenham carboidratos. Durante o período de realimentação, a insulina e outros hormônios são ativados. Isso causa o movimento dos principais íons intracelulares (fósforo, potássio, cálcio e magnésio) para dentro das células.

No entanto, devido ao esgotamento geral das reservas corporais, isso se torna excessivo e muito pouco desses íons é deixado no sangue. É isso que causa os principais sintomas da síndrome de realimentação, alguns dos quais raramente são fatais.

O fósforo é usado em todas as células para energia. A unidade básica de energia (ATP) contém três moléculas de fósforo, de modo que a depleção severa de fósforo pode fazer com que todo o seu corpo “desligue”.

Isso geralmente acontece quando o nível de fósforo sérico cai abaixo de 0,30 mmol/L. Os sintomas incluem fraqueza muscular, bem como dificuldade respiratória à medida que o diafragma (o grande músculo que alimenta os pulmões) enfraquece.

Observou-se também casos com desagregação muscular definitiva (rabdomiólise), bem como disfunção cardíaca (cardiomiopatia).

O magnésio é um cofator na maioria dos sistemas enzimáticos do corpo e a depleção severa pode resultar em cãibras, confusão, tremores, tetania e, ocasionalmente, convulsões. Anormalidades do ritmo cardíaco também podem ser observadas. A maior parte do magnésio (cerca de 70%) ingerido por via oral não é absorvida, mas excretada inalterada nas fezes.

O potássio também pode ser deslocado para as células, deixando níveis perigosamente baixos no sangue. Isso também pode causar distúrbios do ritmo cardíaco ou até mesmo parada cardíaca total.

A insulina estimula a síntese de glicogênio, gordura e proteína, que requer muitos íons como fósforo, magnésio e cofatores como a tiamina. O pico de insulina coloca uma demanda enorme nos estoques de fósforo que foram esgotados.

Em essência, os estoques de todos esses íons intracelulares foram severamente esgotados e, uma vez que o sinal é dado para reabastecer, muito fósforo é retirado do sangue, levando a níveis excessivamente baixos.

Síndrome de realimentação e desnutrição

Um dos principais pré-requisitos para a síndrome de realimentação é a desnutrição grave e prolongada. Mas qual a frequência dos casos?

Um estudo com mais de 10.000 pacientes hospitalizados realizado nos Estados Unidos, encontrou apenas uma incidência de 0,43%. Estas são as mais doentes das pessoas doentes, mas ainda raramente foram encontradas.

Na verdade, este número ainda está superestimado, pois também inclui cetoacidose diabética, que é um mecanismo totalmente diferente. Os principais grupos que tiveram esta doença? Pacientes que apresentavam quadros de desnutrição grave e alcoólatras.

O principal fator de risco para a síndrome de realimentação é a desnutrição prolongada. Quando usamos o jejum como ferramenta terapêutica, a maioria das pessoas nunca perde uma única refeição em mais de 25 anos!

Essa dificilmente é a situação com a qual lidamos atualmente. No entanto, é importante entender que os pacientes que estão gravemente abaixo do peso ou desnutridos não devem jejuar. Isso é importante porque a síndrome de realimentação é encontrada principalmente na condição de fome (restrição descontrolada e involuntária de alimentos) ou definhamento (fome ao ponto de desnutrição grave) ao invés da prática do jejum (restrição controlada e voluntária de alimentos).

Deficiências de vitaminas também foram descritas, em quadros de pacientes que apresentavam desnutrição prolongada. A mais importante é a tiamina, que é uma coenzima essencial no metabolismo dos carboidratos.

A deficiência vitamínica foi encontrada em alcoólatras com as síndromes de encefalopatia de Wernicke (ataxia, confusão, distúrbios visuais) e síndrome de Korsakoff (perda de memória e confabulação). A confabulação é um sintoma pelo qual as pessoas têm uma completa falta de memória de curto prazo e inventam situações (involuntariamente).

Portanto, caso o paciente apresente qualquer condição vinculada à desnutrição, o jejum não é deve ser realizado.

O tratamento para a síndrome de realimentação

A base do tratamento para a síndrome é a prevenção. Obviamente, a chave é evitar o jejum de uma pessoa desnutrida.

Além da prevenção, a base do tratamento é iniciar a alimentação bem devagar. Geralmente, isso significa 50% ou menos da ingestão alimentar necessária com aumento lento na taxa se nenhum problema for encontrado. Deve-se ingerir alimentos com alto poder nutricional e evitar carboidratos processados.

Ou seja, na grande maioria dos casos, utiliza-se o procedimento padrão de quebra dos protocolos de jejum com períodos menores, como o intermitente.